Levantamento de publicações sobre conflitos de natureza étnico-racial-religiosa
É uma pesquisa exploratória de conteúdos midiáticos sobre os chamados casos de “intolerância religiosa” ou “racismo religioso”, entendidos como atos de preconceito e discriminação dirigidos aos terreiros de religiões de matrizes africana e afro-brasileira e seus adeptos.
Apresentação
O levantamento realizado resultou em 1.102 publicações de veículos de mídia digital nacional corresponde ao período de 1996 a 2023, dos quais 66,2% eram sites e portais de notícias, 25,0% de jornais online, 4,8% blogs, 2,9% revistas e 1,1% rádios online.
A busca foi realizada a partir do navegador Google com expressões e palavras-chaves. Também serviram de auxílio as redes sociais e as sugestões de informações geradas automaticamente pelos algoritmos de programação.
Pessoas
Violações contra povos de terreiro: dados gerais
Dentre as violações cometidas contra povos de terreiro, noticiadas nas mídias digitais, os ataques contra a localidade do terreiro são as mais frequentes com 33,9%, onde somam-se as invasões e depredações de locais sagrados (26,5%) e os incêndio provocados (7,4%). As ofensas e agressões verbais ocupam destaque nos fatos divulgados com 17,8%, seguido situações de impedimento ao culto com 8,1%. E vale destacar o percentual das mortes violentas dos religiosos e religiosas de matriz africana, com 6,8%.
Violações: O termo é usado para descrever atitudes de desrespeito, agressões contra pessoas, espaços e coisas, que resultem em algum tipo de dano, moral ou material.
Os dados apontam que quando as violações estão direcionadas a pessoas, os alvos principais são as lideranças religiosas em 21,2% e pessoas religiosas de matriz africana em 21,0% (pessoas que não foram identificadas nas publicações como sacerdotes/sacerdotisas ou lideranças de terreiros). Os terreiros são o maior foco das publicações, correspondendo a 40,0% das violações mencionadas.
Quando, na publicação, se identifica quem foi acusado por violações contra religiosos de matriz africana e seus espaços, as relações interpessoais do cotidiano (vizinhança, parentesco, ambiente de trabalho, ambiente escolar), somadas, são as que mais frequentes (21,8%). Os vizinhos dos terreiros como acusados de violações representam 9,5%.
Vale destacar também que, dentre as 472 situações conflituosas observadas: 12,7% têm como acusados sujeitos vinculados ao domínio armado nos territórios; 8,7% são identificados como pertencentes às religiões evangélicas; e 33,1% não foi possível identificar os acusados das violações.
Violações contra religiosos/as
Mortes violentas de religiosos/as
Mortes violentas – Considera-se como morte violenta o óbito resultante de agressão física por causas externas, com intencionalidade e possível autoria a identificar.
Os estados com o maior número de informações sobre mortes violentas foram Rio de Janeiro (10), Bahia (7) e Pará (7). Esses estados têm apresentado cenários de conflitos territoriais por diversas causas, que afetam também os povos de terreiro. Do conjunto das 32 mortes violentas noticiadas chama atenção que na maioria delas (27) o gênero da vítima é masculino.
Mortes violentas de religiosos/as
Foram identificados 212 religiosos e religiosas de matriz alvos de violações, dos quais 44,4% se referem a pessoas do sexo feminino, sendo quatro delas, mulheres transgênero.
As violações mais frequentes envolvendo mulheres de axé dizem respeito a ofensas e agressões verbais (25,5%), agressões físicas (14,9%) e discriminação religiosa no trabalho (8,5%). Em cinco situações as agressões resultaram em mortes dessas mulheres.
Quadro 5: Link das publicações sobre mortes violentas de mulheres líderes de terreiro
Fonte: Relatório síntese de publicações digitais sobre conflitos de natureza étnico-racial-religiosa.
Dados trabalhados pelos pesquisadores.
O adoecimento seguido de morte por conta das violações sofridas também foi destacado pela mídia ao publicar as mortes de Mãe Gilda (https://kn.org.br/blog/2021/01/21/21-anos-21-janeiro-mae-gilda/) e de Mãe Dedé de Iansã (https://revistaforum.com.br/temas/me-dede-de-ians-14902.html). Fatos ocorridos no estado da Bahia, em períodos distintos.
Disputas pelo domínio armado e efeito nos terreiros
Nos 472 fatos noticiados nas mídias digitais sobre violações contra povos de terreiros, a autoria identificada informa sobre disputas envolvendo grupos que almejam o domínio armado nas cidades. Dessas ações 12,7% afetam os terreiros (tabela 3).
Considerando somente os conteúdos com indicação de autoria, a ação de grupos armados contra as religiões de matriz africana representa 19,0%.
Nota: No total de 472 fatos foi possível identificar autoria apontada nas publicações em 67,0% (316 fatos).
Nas publicações analisadas, há uma de 2020 cujo conteúdo se refere ao evento ocorrido em 1912 em Alagoas, estado de Maceió, conhecido como “Quebra de Xangô”. A ação violenta de grupos armados contra povos de matriz africana mais antiga, até o momento, dentro do levantamento realizado.
O Rio de Janeiro se destaca nas mídias com a ocorrência de ataques e atentados do domínio armado contra os terreiros. Foram identificados 45 fatos entre os anos de 2005 e 2023.
Domínio armado: Expressa a disputa por grupos armados (traficantes, milicianos, gangues), pelo controle de acesso e circulação em espaços públicos ou privados; permite também caracterizar os locais e situações de risco aos quais trabalhadores e habitantes estão expostos.
Conflitos de natureza étnico-racial-religiosa
no ambiente escolar
Entre os 472 eventos analisados, 30 tratam de conflitos escolares. O estado que se destaca nas publicações é o Rio de Janeiro com 14 fatos.
Conflitos de natureza étnico-racial-religiosa: classificação criada para englobar as categorias êmicas, intolerância religiosa e racismo religioso, que expressam diferentes formas de denominar as violações dirigidas aos terreiros e aos religiosos de matriz africana.
De toda a comunidade escolar, a categoria mais citada como alvo de violações pela mídia é a de estudantes. Já as autorias se distribuem entre estudantes (33,3%), direção da escola e educadores (46,7%).
Ofensas relacionadas ao pertencimento religioso (43,3%), conflitos relacionados à aplicação da lei 10.639/2003 nas escolas (26,7%) e impedimento de acesso ao espaço escolar por conta de trajes religiosos (13,3%) foram situação mais citadas.
Nota: A lei 10.639 sancionada em 2003, altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394/1996) incluindo no currículo oficial a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira e africana em todas as escolas.
Violações aos terreiros
Nos fatos que tratavam de violações a terreiros, 16,3% das autorias identificadas tinha relação com ações do domínio armado, acionadas por um pertencimento religioso protestante/ evangélico e com o objetivo de expulsar representações das religiões de matriz africana do território de domínio. E neste universo de 189 fatos de violações aos terreiros, quase a metade ou 48,9% não trazem informações detalhadas sobre a autoria.
Violações em espaços públicos e monumentos
Além das perseguições a terreiros de candomblé e umbanda, observa-se uma maior atenção da mídia ao longo do tempo aos casos de vandalismo e depredações contra monumentos, imagens e locais tidos como sagrados pelas religiões de matriz africana.
Foram 20 fatos identificados, sendo que o primeiro narrado aconteceu em 2013. Já em 2023 foram identificados cinco episódios de vandalismo e depredação.
Espaço público: Espaço de circulação e uso comum nas quais o direito de ir e vir é pleno, formalmente.
Em quais estados?
Os conflitos que não tinham informações sobre a localização do fato nas publicações ou resultavam de situações conflituosas no ambiente da internet, sem que se pudesse distinguir a origem, correspondem ao percentual de 2,7%, e foram identificados como BR para destacar esses conflitos.